Ninguém sofre em vão...


Se há males, nesta vida, de que o homem é a própria causa, há também outros que, pelo menos em aparência, são estranhos à sua vontade e parecem golpeá-lo por fatalidade. Assim, por exemplo, as doenças de nascença: as deformidades, a idiotia etc.


Os que nascem nessas condições, nada fizeram, seguramente, nesta vida, para merecer uma sorte triste, sem possibilidade de compensação, e que eles não puderam evitar, sendo impotentes para modificá-las. Que dizer, por fim, das crianças que morrem em tenra idade e só conheceram da vida o sofrimento?


Em virtude do axioma de que todo efeito tem uma causa, essas misérias são efeitos que devem ter a sua causa, e desde que se admita a existência de um Deus justo, essa causa deve ser justa. Ora, a causa sendo sempre anterior ao efeito, e desde que não se encontra na vida atual, é que pertence a uma existência precedente. Se não fizemos o mal nesta vida, é que o fizemos em outra. O homem não é, portanto, punido sempre, ou completamente punido, na sua existência presente, mas jamais escapa às conseqüências de suas faltas.


Os sofrimentos produzidos por causas anteriores são sempre, como os decorrentes de causas atuais, uma conseqüência natural da própria falta cometida. O homem sofre aquilo que fez os outros sofrerem. Se ele foi duro e desumano, poderá ser, por sua vez, tratado com dureza e desumanidade; se foi orgulhoso, poderá nascer numa condição humilhante; se foi avarento, egoísta, ou se empregou mal a sua fortuna, poderá ver-se privado do necessário; se foi mau filho, poderá sofrer com os próprios filhos; e assim por diante.


É dessa maneira que se explicam, pela pluralidade das existências e pelo destino da Terra, como mundo expiatório que é, as anomalias da distribuição da felicidade e da desgraça, entre os bons e os maus neste mundo.


Texto retirado do “Evangelho Segundo o Espiritismo” – Allan Kardec – Cap. V (Bem Aventurados os Aflitos – Causas Anteriores da Aflições)


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Dívida e resgate


Uma das cunhadas do Chico Xavier teve um filho ‘anormal’. Braços e pernas atrofiados. Os olhos, cobertos por uma espessa névoa, mantinham-no mergulhado na mais completa escuridão. Inspirava medo às pessoas que o viam. Era tão deformado que a mãe ao vê-lo teve um choque e foi internada num hospital de doentes mentais.


O Chico ficou sozinho com o sobrinho.


Cuidar dele não era fácil. Medicá-lo, banhá-lo e aplicar-lhe um clister diariamente. O menino não deglutia e para alimentá-lo, Chico tinha que formar uma pequena bola com a comida, colocar em sua garganta e empurrar com o dedo.


Isto, durante onze anos aproximadamente.


Quando o sobrinho piorava, Chico rezava muito para que ele não desencarnasse. Já o amava como um filho.


Um dia o Espírito Emmanuel lhe disse:


— Ele só vai desencarnar quando o pulmão começar a desenvolver e não encontrar espaço. Aí, então, qualquer resfriado pode se transformar numa pneumonia e ele partirá.


Quando estava próximo dos doze anos, foi acometido de uma forte gripe e começou a definhar.


Na hora do desencarne, seus olhos voltaram a enxergar. Ele olhou para o Chico e procurou traduzir toda a sua gratidão naquele olhar.


Emmanuel, presente, explicou:


— Graças a Deus. É a primeira vez, depois de cento e cinqüenta anos, que seus olhos voltam para a Luz. As suas dívidas do passado foram aniquiladas. Louvado seja Jesus.


Extraído do livro “Chico, de Francisco”, de Adelino da Silveira