Segundo o Espiritismo, nem anjos nem demônios são entidades distintas, por isso que a criação de seres inteligentes é uma só. Unidos a corpos materiais, esses seres constituem a Humanidade que povoa a Terra e as outras esferas habitadas; uma vez libertos do corpo material, constituem o mundo espiritual ou dos Espíritos, que povoam os Espaços. Deus criou-os perfectíveis e deu-lhes por objetivo a perfeição, com a felicidade que dela decorre. Deus não lhes deu, contudo, a perfeição, pois quis que a obtivessem por seu próprio esforço, a fim de que também e realmente lhes pertencesse o mérito. Desde o momento da sua criação que os seres progridem, quer encarnados, quer no estado espiritual. Atingido o apogeu, tornam-se Espíritos puros ou anjos, segundo a expressão vulgar; de sorte que, desde o embrião do ser inteligente até ao anjo, há uma cadeia ininterrupta, na qual cada um dos elos assinala um grau de progresso.
Disso resulta que há Espíritos em todos os graus de adiantamento moral e intelectual, conforme a posição em que se acham, no alto, embaixo ou no meio da imensa escala do Progresso.
Em todos os graus existe, portanto, ignorância e saber, bondade e maldade. Nas classes inferiores destacam-se Espíritos ainda profundamente propensos ao mal e comprazendo-se com o mal. A estes pode-se denominar demônios, pois são capazes de todos os malefícios aos ditos atribuídos. O Espiritismo não lhes dá tal nome, pois entende que o mesmo se prende à idéia de uma criação distinta do gênero humano, com seres de natureza essencialmente perversa, votados ao mal eternamente e incapazes de qualquer progresso para o bem.
Segundo a doutrina da Igreja os demônios foram criados bons e tornaram-se maus por sua desobediência: são anjos colocados primitivamente por Deus no ápice da escala, tendo dela decaído. Segundo o Espiritismo os demônios são Espíritos imperfeitos, suscetíveis de regeneração e que, colocados na base da escala, hão de nela graduar-se.
Os que por indiferença, negligência, obstinação ou má-vontade persistem em ficar, por mais tempo, nas classes inferiores, sofrem as conseqüências dessa atitude, e o hábito do mal dificulta-lhes a regeneração. Chega-lhes, porém, um dia a fadiga dessa vida penosa e das suas respectivas conseqüências; eles comparam então a sua situação à dos bons Espíritos e compreendem que o seu interesse está no bem, procurando então melhorarem-se, mas por ato de espontânea vontade, sem que haja nisso o mínimo constrangimento. Eles estão submetidos à lei geral do progresso, em virtude da sua aptidão para progredir, mas não progridem, ainda assim, contra a vontade. Para isso Deus fornece-lhes constantemente os meios, porém, com a faculdade de aceitá-los ou recusá-los. Se o progresso fosse obrigatório não haveria mérito, e Deus quer que todos tenhamos o mérito de nossas obras. Ninguém é colocado em primeiro lugar por privilégio; mas o primeiro lugar a todos é franqueado à custa do esforço próprio. Os anjos mais elevados conquistaram a sua graduação, passando, como os demais, pela rota comum.
Chegados a certo grau de pureza, os Espíritos têm missões adequadas ao seu progresso; preenchem assim todas as funções atribuídas aos anjos de diferentes categorias.
E como Deus criou de toda a eternidade, segue-se que de toda a eternidade houve número suficiente para satisfazer às necessidades do Governo Universal. Deste modo uma só espécie de seres inteligentes, submetida à lei de progresso, satisfaz todos os fins da Criação.
Por fim, a unidade da Criação, aliada à idéia de uma origem comum, tendo todos o mesmo ponto de partida e a mesma trajetória a percorrer, elevando-se assim pelo próprio mérito, corresponde melhor à justiça de Deus do que a idéia da criação de espécies diferentes, mais ou menos favorecidas de dotes naturais, que seriam outros tantos privilégios.
A doutrina vulgar sobre a natureza dos anjos, dos demônios e das almas, não admitindo a lei do progresso, mas vendo, todavia, seres de diversos graus, concluiu assim que seriam produto de outras tantas criações especiais. E assim foi que chegou-se a fazer de Deus um pai parcial, tudo concedendo a alguns de seus filhos, e a outros impondo os mais rudes trabalhos. Não admira que por muito tempo os homens achassem justificação para tais preferências, quando eles próprios delas usavam em relação aos filhos, estabelecendo direitos de primogenitura e outros privilégios de nascimento. Podiam tais homens acreditar que andavam mais errados que Deus?
Hoje, porém, alargou-se o circulo das idéias: o homem vê mais claro e tem noções mais precisas de justiça; desejando-a para si e se nem sempre encontrando-a na Terra, ele quer pelo menos encontrá-la mais perfeita no Céu.
E aqui está por que lhe repugna à razão toda e qualquer doutrina na qual não resplenda a Justiça Divina na plenitude integral da sua pureza.
Texto retirado do livro “O Céu e o Inferno - A Justiça Divina Segundo o Espiritismo” – Allan Kardec