Felicidade e Infelicidade Relativas




Pergunta: O homem pode gozar na Terra uma felicidade completa?


Resposta dos Espíritos — Não, pois a vida lhe foi dada como prova ou expiação, mas dele depende abrandar os seus males e ser tão feliz, quanto se pode ser na Terra.


Pergunta: Concebe-se que o homem seja feliz na Terra quando a Humanidade estiver transformada, mas, enquanto isso não se verifica, pode cada um gozar de uma felicidade relativa?


Resposta dos Espíritos — O homem é, na maioria das vezes, o artífice de sua própria infelicidade. Praticando a lei de Deus, ele pode poupar-se dos males e gozar de uma felicidade tão grande quanto comporta a sua existência num plano grosseiro.


Comentário de Allan Kardec: O homem bem compenetrado do seu destino futuro não vê na existência corpórea mais do que uma rápida passagem. É como uma parada momentânea numa hospedaria precária. Ele se consola facilmente de alguns aborrecimentos passageiros, numa viagem que deve conduzi-lo a uma situação tanto melhor quanto mais atenciosamente tenha feito os seus preparativos para ela.


Somos punidos nesta vida pelas infrações que cometemos às leis da existência corpórea, pelos males decorrentes dessas infrações e pelos nossos próprios excessos. Se remontarmos pouco a pouco à origem do que chamamos ‘infelicidades terrenas’, veremos a estas, na sua maioria, como a conseqüência de um primeiro desvio do caminho certo. Em virtude desse desvio inicial, entramos num mau caminho e de conseqüência em conseqüência, caímos, afinal, na desgraça.


Pergunta: A felicidade terrena é relativa à posição de cada um; o que e suficiente para a felicidade de um faz a desgraça de outro. Há, entretanto, uma medida comum de felicidade para todos os homens?


Resposta dos Espíritos — Para a vida material, a posse do necessário; para a vida moral, a consciência tranqüila e a fé no futuro.


Pergunta: Se o homem é, em geral, o artífice dos seus sofrimentos materiais, não ocorre o mesmo também com os sofrimentos morais?


Resposta dos Espíritos — Mais ainda, pois os sofrimentos materiais são, às vezes, independentes da vontade, enquanto o orgulho ferido, a ambição frustrada, a ansiedade da avareza, a inveja, o ciúme, todas as paixões, enfim, constituem torturas da alma.


Inveja e ciúme! Felizes os que não conhecem esses dois vermes vorazes. Com a inveja e o ciúme, não há calma, não há repouso possível. Para aquele que sofre desses males, os objetos da sua cobiça, do seu ódio e do seu despeito se erguem diante dele como fantasmas que não o deixam em paz e o perseguem até no sono. Os invejosos e os ciumentos vivem num estado de febre contínua. É essa uma situação desejável? Não compreendeis que, com essas paixões, o homem cria para si mesmo suplícios voluntários e que a Terra se transforma para ele num verdadeiro inferno?


Comentário de Allan Kardec: Muitas expressões figuram energicamente os efeitos de algumas paixões. Diz-se: está inchado de orgulho, morrer de inveja, secar de ciúme ou de despeito, perder o apetite por ciúmes etc. Esse quadro nos dá bem a verdade. Às vezes, o ciúme nem tem objeto determinado. Há pessoas que se mostram naturalmente ciumentas de todos os que se elevam, de todos os que saem da vulgaridade, mesmo quando não tenham no caso nenhum interesse direto, mas unicamente por não poderem atingir o mesmo plano. Tudo aquilo que parece acima do horizonte comum as ofusca, e, se formassem a maioria da sociedade, tudo desejariam rebaixar ao seu próprio nível. Temos nestes casos o ciúme aliado à mediocridade.


O homem é infeliz, geralmente, pela importância que liga às coisas deste mundo. A vaidade, a ambição e a cupidez fracassadas o fazem infeliz. Se ele se elevar acima do circulo estreito da vida material, se elevar o seu pensamento ao infinito, que é o seu destino, as vicissitudes da Humanidade lhe parecerão mesquinhas e pueris, como as mágoas da criança que se aflige pela perda de um brinquedo que representava a sua felicidade suprema.


Aquele que só encontra a felicidade na satisfação do orgulho e dos apetites grosseiros é infeliz quando não os pode satisfazer, enquanto que aquele que não se interessa pelo supérfluo se sente feliz com aquilo que para os outros constituiria infortúnio.


Referimo-nos ao homem civilizado, porque o selvagem, tendo necessidades mais limitadas, não tem os mesmos motivos de cobiça e de angústias; sua maneira de ver as coisas é muito diferente. No estado de civilização, o homem pondera a sua infelicidade, a analisa, e por isso é mais afetado por ela, mas pode também ponderar e analisar os seus meios de consolação. Esta consolação ele a encontra no sentimento cristão, que lhe dá a esperança de um futuro melhor, e no Espiritismo, que lhe dá a certeza desse futuro.




Texto retirado do ‘Livro dos Espíritos’

(Livro Quarto – Cap. 1 – Item I)