O Sr. J. B. D., evocado a pedido de um de seus pais, era um homem instruído, mas imbuído ao último grau de idéias materialistas, não crendo nem em sua alma nem em Deus. Afogou-se voluntariamente há dois anos.
1. Evocação.
R. Eu sofro! Sou condenado.
2. Fomos rogados a vos chamar, da parte de um de vossos parentes, que deseja conhecer a vossa sorte; quereis nos dizer se a nossa evocação vos é agradável ou penosa?
R. Penosa.
3. A vossa morte foi voluntária?
R. Sim.
Nota: O Espírito escreveu com extrema dificuldade; a escrita era muito grande, irregular, convulsiva e quase ilegível. No seu início, mostra cólera, quebra um lápis e rasga o papel.
4. Tende mais calma; todos nós rogamos a Deus por vós.
R. Eu sou forçado em acreditar em Deus.
5. Que motivo pôde vos levar a vos destruir?
R. Aborrecimento da vida sem esperança.
Nota: Concebe-se o suicídio quando a vida é sem esperança; quer-se escapar da infelicidade a todo preço; com o Espiritismo, o futuro se abre e a esperança se legitima; o suicida não tem, pois, mais objetivo: bem mais, reconhece-se que, por esse meio, não se escapa de um mal senão para cair em um outro que é cem vezes pior. Eis porque o Espiritismo já arrancou tantas vítimas à morte involuntária. Estão, pois, errados, e são sonhadores aqueles que procuram, antes de tudo, o fim moral e filosófico? São culpáveis aqueles que se esforçam em acreditar por sofismas científicos, e supostamente em nome da razão, essa idéia desesperadora, fonte de tantos males e de crimes, que tudo acaba com a vida! Serão responsáveis, não só pelos seus próprios erros, mas de todos os males dos quais tiverem sido a causa.
6. Quisestes escapar às vicissitudes da vida; com isso ganhastes alguma coisa? Sois mais feliz agora?
R. Por que o nada não existe?
7. Quereis ser bastante bom para nos descrever a vossa situação, o melhor que puderdes.
R. Eu sofro por estar obrigado a crer em tudo o que negava. A minha alma está como num braseiro; ela está horrivelmente atormentada.
8. De onde vos vieram as idéias materialistas que tínheis quando vivo?
R. Numa outra existência, eu fui mau, e o meu Espírito estava condenado a sofrer os tormentos da dúvida durante a minha vida; também me matei.
Nota: Há aqui toda uma ordem de idéias. Pergunta-se, freqüentemente, como pode haver materialista, uma vez que tendo já passado pelo mundo espírita dever-se-ia ter dele a intuição; ora, é precisamente essa intuição que é recusada, como castigo a certos Espíritos que conservaram o seu orgulho, e não se arrependeram de suas faltas. A Terra, é preciso que não se esqueça, é um lugar de expiação; eis porque ela encerra tantos maus Espíritos encarnados.
9. Quando vos afogastes, que pensáveis que vos adviria? Que reflexões fizestes naquele momento?
R. Nenhuma; era o nada para mim. Vi depois que não tendo cumprido a minha pena, sofri toda a minha condenação, e a irei ainda muito sofrer.
10. Agora estais bem convencido da existência de Deus, da alma e da vida futura?
R. Ai de mim! Não sou senão muito atormentado por isso!
11. Tornastes a ver a vossa mulher e o vosso irmão?
R. Oh! Não.
12. Por que isso?
R. Por que reunir os nossos tormentos? Exila-se na infelicidade, não se reúne senão na felicidade; ai de mim!
13. Ficaríeis satisfeito em rever o vosso irmão, que poderíamos chamar aqui, ao vosso lado?
R. Não, não; eu estou muito baixo.
14. Por que não quereis que o chamemos?
R. É que ele não é feliz, ele não mais do eu.
15. Temeis a sua visão; entretanto, isso poderia vos fazer bem?
R. Não; mais tarde.
16. Vosso parente me pede para vos perguntar se assististes ao vosso enterro, e se ficastes satisfeito com o que ele fez nessa ocasião?
R. Sim.
17. Desejais lhe dizer alguma coisa?
R. Que se ore um pouco por mim.
18. Parece que na sociedade que freqüentáveis, algumas pessoas partilham as opiniões que tínheis quando vivo; teríeis alguma coisa a lhes dizer a esse respeito?
R. Ah! Os infelizes! Possam crer em uma outra vida! É o que posso desejar-lhes de mais feliz; poderiam compreender a minha triste posição, isso os faria refletir muito.
Evocação do irmão do precedente, professando as mesmas idéias, mas que não se suicidou. Embora infeliz, é mais calmo; sua escrita é limpa e legível.
19. Evocação.
R. Possa o quadro de nossos sofrimentos vos ser uma lição útil, e vos persuadir de que existe uma outra vida, onde se expiam as suas faltas, a sua incredulidade!
20. Vós e o vosso irmão que acabamos de chamar vos vedes reciprocamente?
R. Não, ele me foge.
21. Estais mais calmo do que ele; poderíeis nos dar uma descrição mais precisa dos vossos sofrimentos?
R. Sobre a Terra não sofreis em vosso amor-próprio, em vosso orgulho, quando sois obrigado a convir com os vossos erros? O vosso Espírito não se revolta ao pensamento de vos humilhar diante daquele que vos demonstrou que estais no erro? Pois bem! O que credes que sofre o Espírito que, durante toda uma existência, persuadiu-se de que nada existe depois dele, que ele tem razão contra todos? Quando de repente se encontra em face da estrondosa verdade, ele é aniquilado, humilhado. A isso vem se juntar o remorso por ter podido, por tanto tempo, esquecer a existência de um Deus tão bom, tão indulgente. Seu estado é insuportável; não encontra nem calma, nem repouso; não reencontrará um pouco de tranqüilidade senão no momento em que a graça santa, quer dizer, o amor de Deus, o tocar, porque o orgulho se apodera de tal modo do nosso Espírito, que o envolve inteiramente, e é preciso ainda muito tempo para se desfazer dessa vestimenta fatal; o que não é senão as preces de nossos irmãos que pode nos ajudar a dele nos desembaraçarmos.
22. Quereis falar dos vossos irmãos vivos ou em Espírito?
R. De uns e de outros.
23. Enquanto conversávamos com o vosso irmão, uma pessoa aqui presente orou por ele; essa prece lhe foi útil?
R. Ela não estará perdida. Se ele recusa a graça agora, isso lhe virá, quando estiver em estado de recorrer a esta divina panacéia.
Fonte: Revista Espírita (Fevereiro de 1861) – Allan Kardec
(Conversas familiares de além-túmulo)
CONTINUA...