A Divina Visão



Muitos anos orara certa devota, implorando uma visão do Senhor.

Mortificava-se. Aflitivas penitências alquebraram-lhe o corpo e a alma. Exercitava não somente rigorosos jejuns. Confiava-se a difícil adestramento espiritual e entesourara no íntimo preciosas virtudes cristãs. Em verdade, a adoração impelira-a ao afastamento do mundo. Vivia segregada, quase sozinha. Mas a humildade pura lhe constituía cristalina fonte de piedade. A oração convertera-se-lhe na vida em luz acesa. Renunciara às posses humanas. Mal se alimentava. Da janela ampla de seu alto aposento, convertido em genuflexório, fitava a amplidão azul, entre preces e evocações. Muitas vezes notava que largo rumor de vozes vinha de baixo, da via pública.

Não se detinha, porém, nas tricas dos homens. Aprazia-lhe cultivar a fé sem mácula, faminta de integração com o Divino Amor.

Em muitas ocasiões, olhos lavados em lágrimas, inquiria, súplice, ao Alto: – Mestre, quando virás?

Findo o colóquio sublime, voltava aos afazeres domésticos. Sabia consagrar-se ao bem das pessoas que lhe eram queridas. Carinhosamente distribuía a água e o pão à mesa. Em seguida, entregava-se a edificante leitura de páginas seráficas. Mentalizava o exemplo dos santos e pedia-lhes força para conduzir a própria alma ao Divino Amigo.

Milhares de dias alongaram-lhe a expectação.

Rugas enormes marcavam-lhe, agora, o rosto. A cabeleira, dantes basta e negra, começava a encanecer.

De olhos pousados no firmamento, meditava sempre, aguardando a Visita Celestial.

Certa manhã ensolarada, sopitando a emoção, viu que um ponto luminoso se formara no Espaço, crescendo... crescendo... até que se transformou na excelsa figura do Benfeitor Eterno.

O Inesquecível Amado como que lhe vinha ao encontro.

Que preciosa mercê lhe faria o Salvador? Arrebatá-la-ia ao paraíso? Enriquecê-la-ia com o milagre de santas revelações?

Extática, balbuciando comovedora súplica, reparou, no entanto, que o Mestre passou junto dela, como se lhe não percebesse a presença. Entre o desapontamento e a admiração, viu que Jesus parara mais adiante, na intimidade com os pedestres distraídos.

Incontinenti, contendo a custo o coração no peito, desceu até a rua e, deslumbraria, abeirou-se dele e rogou, genuflexa:

– Senhor, digna-Te receber-me por escrava fiel!... Mostra-me a Tua vontade! Manda e obedecerei!...

O Embaixador Divino afagou-lhe os cabelos salpicados de neve e respondeu:

- Ajuda-me aqui e agora!... Passará, dentro em pouco, pobre menino recém-nascido. Não tem pai que o ame na Terra e nem lar que o reconforte. Na aparência, é um rebento infeliz de apagada mulher. Entretanto, é valioso trabalhador do Reino de Deus, cujo futuro nos cabe prevenir. Ajudemo-la, bem como a tantos outros irmãos necessitados, aos quais devemos amparar com o nosso amor e dedicação.

Logo após, por mais se esforçasse, ela nada mais viu.

O Mestre como que, se fundira na neblina esvoaçante...

De alma renovada, porém, aguardou o momento de servir. E, quando infortunada mãe apareceu, sobraçando um anjinho enfermo, a serva do Cristo socorreu-a, de pronto, com alimentação adequada e roupa agasalhante.

Desde então, a devota transformada não mais esperou por Jesus, imóvel e zelosa, na janela do seu alto aposento. Depois de prece curta, descia para o trabalho à multidão desconhecida, na execução de tarefas aparentemente sem importância, fosse para lavar a ferida de um transeunte, para socorrer uma criancinha doente ou para levar uma palavra de ânimo ou consolo.

E assim procedendo, radiante, tornou a ver, muitas vezes, o Senhor que lhe sorria reconhecido...


Irmão X

Extraída de “Contos e Apólogos”

Recebida por Francisco Cândido Xavier