Naqueles momentos em que se reconhecia desligado do corpo físico, o homem acabrunhado sentia-se leve, feliz...
Extasiado na excursão que se lhe afigurava um sonho prodigioso, alcançou o recanto luminescente em que notou a presença do Cristo. Reverente, abeirou-se dele e rogou:
- Senhor!... Ouve-me por misericórdia! Amo-te e quero servi-te...
Desde muito tempo, aspiro a matricular-me na assembléia dos que colaboram contigo na redenção das criaturas... Anseio auxiliar aos outros, entretanto, Amado Amigo, estou preso!... Livra-me do lar onde me vejo na condição do pássaro encarcerado... Moro num ninho de aversões. Meu pai, talvez, cansado de conflitos estéreis, relegou-nos à própria sorte... Minha mãe exerce sobre nós um despotismo cruel.
Trata-nos a nós, seus filhos, à maneira dos objetos de uso particular, flagelando-nos com as exigências de pavorosa afeição possessiva... Meus dois irmãos me detestam... Senhoreiam indebitamente o que tenho e me humilham a cada instante. Se concordo com eles, me ridicularizam, e se algo reclamo, ameaçam-me com perseguição e espancamento!...
Libera-me, Senhor, da prisão que me inibe os movimentos... Quero agir em teus princípios, amar e servir, qual nos ensinaste...
Ante a ligeira pausa que se fez, Jesus fitou o visitante compassivamente e alegou:
- Lembro-me de tuas solicitações anteriores... Estavas de passagem, aqui mesmo, na direção do berço terrestre, acompanhado de amigos prestigiosos. Declaravas-te sequioso de ação no bem e os teus companheiros endossavam-te as afirmativas.
...Dizias-te ansioso no sentido de compartilhar-nos as tarefas...
Entendo-te, sim... A construção do amor é inadiável...
- Senhor – observou o consulente, respeitoso – se entendes o meu ideal e se as minhas petições já se encontram aqui registradas, quem me situou no lar terrível, no qual me reconheço, à feição de um doente, atirado a um serpentário?
O Mestre sorriu e considerou:
- Acreditando em teus propósitos de colaborar conosco, quem te enviou à família em que te encontras, fui eu mesmo...
Surpreendido com a inesperada revelação, o visitante do Mundo Espiritual experimentou estranha sensação de queda e acordou no próprio corpo.
Lá fora, os irmãos deblateravam contra a vida, reportando-se a ele com injuriosas palavras.
Ele, porém, assinalou os insultos que lhe eram endereçados com novos ouvidos, no silêncio de quem havia conquistado o troféu de profunda renovação.
Meimei
Do livro “Deus Aguarda”. Psicografia: Chico Xavier